65 Anos de Novelas - Dez folhetins que renovaram o gênero na última década


O ano de 2016 marca o aniversário de 65 anos da exibição das telenovelas no Brasil, uma trajetória que começou em dezembro de 1951, com a exibição de "Sua Vida me Pertence" na TV Tupi. Desde então, o formato, que caiu nas graças do público, foi se transformando. No início, eram apenas dois capítulos por semana e, por não existir o recurso do videotape, os folhetins eram exibidos ao vivo. Depois disso, vieram as tramas diárias, inauguradas por "25499-Ocupado", e muitas outras inovações, que deram origem a folhetins emblemáticos, como "Roque Santeiro", "Vale Tudo", "A Próxima Vítima", "Laços de Família" e "Senhora do Destino".
Por conta dessa data, comecei a pensar no que escrever. Lembrei que, há cinco anos, fiz uma postagem sobre as melhores novelas já feitas. Para não me repetir, já que a opinião não mudou muito nesse período, decidi que iria elencar quais foram, na última década, os folhetins que trouxeram algum tipo de renovação ao gênero. 
Achei que a intenção é pertinente, uma vez que a telenovela passa por um momento de intensa transformação. A internet, os serviços de streaming e a força das séries, especialmente as internacionais, têm provocado constantes questionamentos sobre o futuro do folhetim, que anda tendo sua "fórmula" (se é que há uma) contestada por novos formatos de entretenimento. Diante disso, será que a telenovela pode ter algum futuro? Abaixo, alguns exemplos de tramas que propuseram mudanças e podem ajudar a desenhar os caminhos do gênero para os próximos anos.

1) A FAVORITA (2008)

Flora (Patrícia Pillar) e Donatela (Cláudia Raia) formavam a dupla sertaneja de sucesso "Faísca & Espoleta". As amigas, que cresceram juntas, sempre foram inseparáveis até se apaixonarem pelo mesmo homem. Esse amor culminou em um crime, que fez Flora ficar 18 anos presa. Mesmo com a condenação, ainda havia dúvidas sobre a autoria do crime, já que as versões da presa e de Donatela eram diferentes. Afinal, então, quem estava dizendo a verdade? O argumento do autor, João Emanuel Carneiro, de não revelar a verdade sobre o crime e sustentar os acontecimentos apenas pelas versões das protagonistas foi a grande contribuição de "A Favorita" ao gênero. Sem revelar a verdade, inclusive sobre a identidade da "mocinha" e da "vilã" do folhetim, o roteiro apostou na ambiguidade das personagens durante os dois primeiros meses, quando, finalmente, descobriu-se que Flora era a grande culpada de tudo. O público, é claro, estranhou a proposta e cobrava o tradicional maniqueísmo na história. No fim, a espera valeu a pena e "A Favorita" fez bonito.

2) CORDEL ENCANTADO (2011)

Nunca houve nenhuma regra sobre o tipo de trama que mais cativa o público, mas, durante, um tempo, convencionou-se dizer que as novelas precisavam ser mais focadas na realidade para agradar. Por isso, durante um período, a fantasia passou longe dos folhetins brasileiros. Isso foi quebrado pelas autoras Duca Rachid e Thelma Guedes, que convidaram os espectadores para viajar a um reino muito distante, mas que acabava se envolvendo com características muito próprias do Brasil. Assim, "Cordel Encantado" inovou ao unir histórias de reis e princesas com o cangaço brasileiro, passando, também, por diversas referências de contos de fada. O resultado, uma mistura de monarquia europeia com os elementos mais fascinantes do Nordeste do nosso país, cativou o público e mostrou que o folhetim pode (e deve!) sair da zona de conforto e apostar na fantasia, desde que, para isso, haja um roteiro consistente e uma direção primorosa com a linguagem e os detalhes. Nunca reis e cangaceiros conviveram de forma tão inspiradora.

3) CHEIAS DE CHARME (2012)

Já ouvi alguns escritores experientes dando o seguinte conselho aos aspirantes a autor: "leia os clássicos". Isso pode ser aplicado, dadas as devidas proporções, ao gênero das novelas. Um dos caminhos para o folhetim seja, talvez, saber modernizar um clássico e transformá-lo em algo mais atual e atraente para o público. O tradicional enredo do "protagonista humilde que passa por uma transformação e vence na vida" ganhou novos contornos com "Cheias de Charme", de Filipe Miguez e Izabel de Oliveira. A história das empregadas domésticas que se descobrem cantoras e alcançam o estrelado não era uma novidade, mas foi contada de uma forma nova. Aqui, as protagonistas, mesmo com traços de "Cinderela", tinham bases mais reais e falavam a uma categoria pouco retratada no primeiro plano das novelas. O folhetim recebeu, ainda, influências digitais, acrescentando discussões sobre o mundo da internet ao enredo. Despretensiosa, a divertida trama acabou abrindo novos horizontes para um gênero que, até hoje, procura entender o público.

4) AVENIDA BRASIL (2012)

Mesmo sendo um prato que se come frio, a vingança sempre foi um importante ingrediente para a ficção. Do clássico "O Conde de Monte Cristo" ao seriado "Revenge", essa reação foi uma constante geradora de conflitos entre personagens. Por conta disso, as novelas também não poderiam ignorar esse recurso, que pode gerar boas histórias. Mas, se a vingança é tão comum, o que pode torná-la inovadora e atrativa ao público atual? A resposta está em "Avenida Brasil", de João Emanuel Carneiro. A vingança de Rita (Débora Falabella) contra Carminha (Adriana Esteves), amparada por um roteiro inteligente, fez com que um "clássico" se transformasse em algo capaz de cativar um público de noveleiros que, praticamente, já viu de tudo. Isso sem contar o fato de que o folhetim trouxe para o centro da cena personagens e tipos comuns a uma fatia média da população, que, até então, sempre ficava restrita a coadjuvantes. Também pode ser considerada uma "novidade" para o gênero o fato de que a novela trouxe, ainda, personagens que questionam, em diversas oportunidades, o habitual maniqueísmo presente no gênero.


5) O REBU (2014)

Aqui, mais uma vez, o argumento não é novo. Remake de uma versão de 1974, escrita por Bráulio Pedroso, a segunda versão de "O Rebu" veio com uma nova proposta: contar uma história de forma não-linear, que se construía peça a peça, como um quebra-cabeça. Assim, o público era apresentado a um corpo que aparecia boiando em uma piscina, após uma badalada festa da alta sociedade. Aos poucos, são revelados os suspeitos e as motivações que poderiam "justificar" o crime. Para isso, o roteiro da história, que se passa toda em uma noite, vai e volta no tempo, forçando o espectador a juntar as informações e criar o cenário completo na cabeça. Com um roteiro pouco comum entre os folhetins, "O Rebu" ainda bebeu da fonte estética da linguagem dos seriados e quase pode ser vista como um "híbrido". Ainda há o fato de que a trama foi concebida para o recente horário das 23 horas, que permite uma narrativa mais condensada, madura e um número reduzido de capítulos. Sem dúvida, mais um bom caminho a ser explorado daqui para frente. 

6) MEU PEDACINHO DE CHÃO (2014)

O diretor Luiz Fernando Carvalho é, sem dúvida, um inovador do audiovisual. Entre seus feitos, o profissional realizou "fusões" de gêneros e, assim, criou uma linguagem muito característica. Já tendo unido a televisão e o teatro na série "Hoje é Dia de Maria", Carvalho optou por levar essa proposta para as novelas e, diante de um remake do autor Benedito Ruy Barbosa, criou um universo lúdico e muito inusitado para um folhetim televisivo. Com elementos lúdicos, cores vibrantes e contando com a imaginação do público, o diretor fez da segunda versão de "Meu Pedacinho de Chão" uma agradável novidade. A aparência infantil dos cenários, figurinos e, até mesmo, na interpretação dos atores se mesclou a temas adultos relacionados a poder e cidadania. Assim, um universo que poderia, facilmente, estar apenas na cabeça de um menino se transformou em uma divertida e inspirada novela, que pode render bons frutos futuramente. 

7) SETE VIDAS (2015)

Já ouvi que não há novela sem vilão. Isso se justificaria porque é o antagonista o único responsável por criar os conflitos nas tramas. Levando essa teoria em consideração, chegaríamos à conclusão de que um folhetim só é possível se houver um vilão. Só que a autora Lícia Manzo conseguiu provar que isso não é uma regra. Em "Sete Vidas", ao invés de um vilão, os conflitos do folhetim eram criados por um outro "personagem": a vida. Baseada nas relações humanas, a novela contava com o desenrolar dos acontecimentos do cotidiano para criar amores, traições, dilemas morais, rivalidades, inveja e afeto. O tom naturalista da trama, que buscava inspiração no dia a dia, não deixou devendo em nada a mais elaborada das fantasias. Essa aposta fez com que a autora investisse em diálogos mais elaborados e cenas mais extensas, que deixavam o espectador vidrado em frente à telinha, mesmo que tenha se tornado mais recorrente ouvir que o público quer, hoje, mais agilidade das histórias.

8) ALÉM DO TEMPO (2015)

Novelas divididas em fases existem aos montes. Os prólogos são, geralmente, utilizados para explicar conflitos que, lá na frente, irão se desenrolar. Outra característica é que as fases iniciais de um folhetim costumam durar poucos capítulos. Melhor dizendo: costumavam durar poucos capítulos. Isso mudou quando a autora Elizabeth Jhin fez "Além do Tempo". A trama, de temática espírita, falava sobre as relações e conflitos entre personagens em dois períodos: no século XIX e nos dias atuais. Na primeira fase, que durou cerca de 80 capítulos, eram apresentados os dilemas e dramas dos personagens, que traziam consequências para a segunda fase da trama, quando as almas já estavam reencarnadas. Apesar de ter uma trama até bastante tradicional, o folhetim deixou seu lado ousado para a narrativa, que acabou criando "duas novelas" e um novo cenário para o público, que sempre esteve acostumado a não se "apegar" tanto ao prólogo das novelas.

9) A REGRA DO JOGO (2015)

A figura do anti-herói, muito comum no cinema e nos seriados, demorou para chegar às novelas. Mesmo assim, na última década, tivemos alguns folhetins que exploraram esse tipo de personagem, como "Cobras & Lagartos" e "Império". Nenhum deles, no entanto, foi tão à fundo nesse objetivo como "A Regra do Jogo", de João Emanuel Carneiro. O protagonista, Romero Rômulo (Alexandre Nero), era um ex-vereador envolvido em causas humanitárias, mas que, na verdade, usava esse tipo de personalidade para disfarçar o seu envolvimento com uma poderosa facção criminosa. Durante todo o folhetim, Romero viveu em conflito com suas escolhas, o que fez com que a construção da personalidade do personagem passasse longe dos tradicionais conceitos de "bem" e "mal". Da mesma forma, a "mocinha" Tóia (Vanessa Giácomo) e a "vilã" Atena (Giovanna Antonelli) tinham atitudes que contestavam o tradicional maniqueísmo a que esses tipos de personagens sempre ficaram "aprisionados".

10) VELHO CHICO (2016)

Recém-encerrada no horário das 21 horas da TV Globo, "Velho Chico" pode ser considerada um dos exemplos mais completos de renovação do folhetim, sem que o mesmo perca as características que o marcaram. Com um enredo tradicional, baseado em amores proibidos e conflitos entre famílias rivais, a trama de Benedito Ruy Barbosa apostou na inteligência do público para trazer de volta os debates políticos e sociais ao horário nobre da televisão aberta. Com a contribuição impecável do diretor Luiz Fernando Carvalho, o folhetim inovou em estética, edição e fotografia, misturando movimentos e conceitos de arte e entretenimento. As reflexões propostas pelo texto (e pelo subtexto) criaram momentos antológicos da televisão e mostraram que uma novela pode sair da superficialidade e levar algo mais substancial ao espectador. É claro que, com uma proposta como essa, houve estranhamento por parte do público, mas uma experiência como essa foi muito importante a história da televisão brasileira. "Velho Chico" mostrou, principalmente, que poesia, seja ela falada ou visual, pode ter um espaço definitivo na teledramaturgia diária. 

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