Episódios especiais de "Gilmore Girls" resgatam humor afiado e inteligência da série original


O componente emocional é um ponto muito importante quando produtores decidem resgatar uma série que fez sucesso no passado. Mas, o apelo e os sentimentos que histórias e personagens despertam no público podem não ser suficientes se não houver inteligência para conduzir o projeto. Por isso, sempre que há algum anúncio de resgate de seriado, uma expectativa grande é alimentada pelos fãs da atração. A volta de "Gilmore Girls", muito aguardada, também foi cercada por essas incertezas, mas após uma maratona com os quatro episódios especiais produzidos pelo Netflix, é possível dizer que houve inteligência de sobra para a condução da empreitada.
"Gilmore Girls: A Year in the Life" retoma a história de Lorelai (Lauren Graham) e Rory (Alexis Bledel) após sete temporadas e uma conclusão que deixou muitos fãs "querendo mais". Agora, a criadora da atração, Amy Sherman-Palladino, ganhou a oportunidade de mostrar como as personagens ficaram após o desfecho do seriado exibido entre 2000 e 2007. Os episódios ganharam uma duração maior, em torno de uma hora e meia, e retrataram exatamente um ano inteiro na vida das protagonistas, passando pelas quatro estações: inverno, primavera, verão e outono.
Na trama desenhada pela criadora, Lorelai, Rory e a matriarca Emily (Kelly Bishop) estão passando por momentos muito particulares. A mais velha das Gilmore enfrenta o luto pelo marido Richard (Edward Herrmann), falecido recentemente. O casamento compartilhado por mais de 50 anos faz com que Emily se sinta perdida e repense diversos aspectos de sua vida. Conhecida pela rigidez com a família, com as regras de etiqueta e com os empregados que trabalham em sua casa, e que eram trocados constantemente por insatisfação, a personagem passa por mudanças profundas causadas pela morte do marido. A transformação de Emily, que descobre novos prazeres e contornos para a vida, é a mais interessante e comovente dos episódios.
Rory é outra que tem que lidar com questões e conflitos transformadores. A jornalista, depois de alguns artigos bem sucedidos publicados em importantes veículos, passa a levar uma vida errante, sem endereço ou emprego fixo. Se recusando a dizer que voltou definitivamente para a cidade de Stars Hollow, a jovem "pula de casa em casa" distribuindo seus pertences e revendo pessoas importantes em sua vida. O foco em um projeto para escrever um livro faz com que ela viaje constantemente para Londres, onde encontra secretamente com Logan (Matt Czuchry), seu ex-namorado. Os dois passam a viver um relacionamento "sem compromisso", o que faz com que Rory ignore a existência da noiva dele. Um poético reencontro com sua profissão, um promissor projeto literário e uma conclusão em sua história amorosa fazem com que a personagem possa, finalmente, focar em sua trajetória.
A espirituosa Lorelai segue fazendo sucesso à frente da pousada Dragon Fly e feliz no relacionamento com Luke (Scott Patterson). No campo profissional, no entanto, as incertezas ganham força com a ameaça de perder o gerente Michel (Yanic Truesdale), que está instigado a alçar outros voos. A possibilidade de perder o funcionário/amigo desestrutura a protagonista, que ainda lida com a ausência de Sookie (Melissa McCarthy), que deixou a amiga para viver uma nova experiência profissional. No lado sentimental, Lorelai passa a questionar a regularidade da relação com Luke, o que faz com que ela precise de um tempo para si mesma. Na volta, ela descobre que o casal precisa mesmo é oficializar a parceria e propõe casamento ao companheiro, que aceita.
Nos quatro novos episódios, "Gilmore Girls: A Year in the Life" resgata as melhores características que a série original tinha. A primeira, e fundamental, é o texto rápido e muito inspirado. Nos diálogos, especialmente entre Lorelai e Rory, há sempre uma admirável precisão de palavras, um ritmo frenético e referências inteligentes sobre cultura e política, que deixam as cenas mais prazerosas de acompanhar. Ainda sobre o texto, é preciso dizer que o argumento e os arcos dramatúrgicos das três personagens centrais são construídos de forma primorosa, mesclando comédia, drama, sutileza e força na medida certa, sem qualquer excesso ou "nota fora do compasso".
Os personagens secundários sempre foram um dos charmes de "Gilmore Girls" e a maior parte deles retorna para momentos divertidos. Kirk (Sean Gunn) continua apostando em empreitadas mirabolantes, Taylor (Michael Winters) ainda enlouquece a cidade com seus exageros, Babette (Sally Struthers) continua estridente e Paris (Liza Weil) está ainda mais Paris. Tudo isso deixa Stars Hollow ainda mais encantadora e engraçada. Vale destacar a inclusão de um "bar secreto" na cidade, que proporciona uma cena hilária.
Diante disso, só dá para concluir que "Gilmore Girls: A Year in the Life" foi uma das melhores coisas que aconteceu no mundo das séries em 2016. Tudo foi resgatado: o humor afiado, a inteligência da narrativa e os personagens cativantes. A atração também ganhou novas cores e contornos, que deixaram o seriado ainda mais charmoso. Para quem acompanhou a série original, sem dúvida, é uma grande retomada e, para quem nunca viu, um estímulo para conhecer a vida em Stars Hollow.

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