"La Casa de Papel" cai em armadilha do próprio roteiro e abusa da paciência do espectador

A série espanhola "La Casa de Papel" pode ser considerada o mais recente fenômeno do serviço de streaming Netflix. Lançada sem muito estardalhaço, o suspense sobre um mirabolante assalto à Casa da Moeda da Espanha acabou ganhando muitos espectadores nos últimos tempos e logo passou a dominar os comentários dos espectadores de atrações do gênero, virando, inclusive, memes na internet. Foi esse burburinho que me fez começar a assistir aos treze episódios da primeira temporada, terminada, preciso dizer, com muito custo pouco antes de começar esse texto.
Absurdo é a primeira palavra que me surge para descrever a série. E, não estou querendo com ela classificar o sucesso da série, que se tornou uma das mais vistas do catálogo do Netflix. "La Casa de Papel" é uma série absurda no pior sentido. No entanto, curiosamente, é justamente esse absurdo que, além de ser o pior defeito da produção, talvez possa ser considerada a única qualidade da atração, que deve ter a segunda temporada lançada em abril.
A trama começa com a reunião de oito criminosos, recrutados por um misterioso mentor chamado de Professor (Álvaro Morte). O plano secreto, aparentemente simples em um primeiro momento, revela-se mais complexo do que um roubo usual. Após um planejamento de meses, mostrado em cenas de flashback ao longo da narrativa, o grupo consegue entrar na Casa da Moeda e manter 67 reféns, enquanto utiliza diversos artifícios para atrasar o trabalho da polícia e, assim, ganhar tempo para imprimir a maior quantia de dinheiro possível.
O recrutados pelo Professor recebem codinomes de cidades, como Tóquio (Úrsula Corberó), Rio (Miguel Herrán) e Berlim (Pedro Alonso), e são preparados à exaustão para seguir o plano. A intenção é que o grupo contenha os reféns e siga com a impressão do dinheiro, enquanto o mentor monitora, do lado de fora, as ações da polícia, comandada pela investigadora Raquel (Itziar Ituño), que se reveza entre a negociação para que os bandidos se entreguem e seus conflitos pessoais.
O principal defeito de "La Casa de Papel" é que a narrativa cai em uma armadilha construída pelo próprio roteiro. Tendo as ações concentradas, na maior parte do tempo, na Casa da Moeda, a série mostra aos poucos que não tinha uma história sólida, que pudesse sustentar as ações dentro daquele espaço durante os episódios. A limitação física de espaço prega uma peça na construção da trama, que, sem opções criativas para o período de encarceramento dos personagens, arrasta os acontecimentos enquanto pode, criando cenas desnecessárias, relações forçadas e situações que beiram o ridículo.
Os absurdos produzidos pelo roteiro são variados e vão de detalhes relativamente simples, como a vigilância dos reféns, até a construção dos personagens, que revelam, ao longo dos episódios, contradições profundas. Os diálogos são pobres e há uma narração irritante e desnecessária, feita por Tóquio, que só serve de descrição de cenas e emoções, que, honestamente, são extremamente claras e não justificam o recurso. Muitos dos ganchos criados para prender o espectador ao próximo episódio se mostram óbvios e é nítido o abuso do que é conhecido, no cinema e na televisão, como "deus ex machina", uma expressão usada para indicar soluções instantâneas e mirabolantes para conflitos dramatúrgicos.
Testando a paciência do espectador a cada episódio, a série também impressiona negativamente com a construção caótica dos personagens. A pior, sem sombra de dúvidas, é a inspetora Raquel, que mostra contradições imensas e incômodas. A princípio, ela deixa a impressão que está ali como uma força feminina da produção, capaz de contornar os problemas pessoais e se dedicar a uma carreira ainda majoritariamente masculina. Ao invés disso, no entanto, o roteiro concentra na personagem todos os clichês apontados pelos machistas ao sexo feminino. Cedendo às pressões e influências do relacionamento abusivo do ex-marido e da quase inexistente vida amorosa, Raquel se perde nas ações para sempre ser "salva" ou contar com o apoio de uma compreensiva figura masculina. O resultado final é uma personagem que beira à estupidez.
Além dessa construção, o roteiro também força a barra nos relacionamentos criados dentro da Casa da Moeda, seja entre os próprios bandidos, recorrendo a flashbacks para explicar escolhas e cumplicidades, ou entre eles e os reféns. Em alguns momentos, por exemplo, as vítimas se aproveitam de situações que mais parecem saídas de uma esquete de humor para tirar vantagem dos criminosos. O roteiro inconstante também parece pegar os atores de surpresa, que, tirando um ou outro, deixam a impressão de estarem perdidos para construir os personagens.
Por incrível que pareça, a única qualidade que faz "La Casa de Papel" não ser um desastre completo é, também, o maior defeito dela: o absurdo. Mesmo com tantos defeitos, é inegável que a série consegue o feito de prender o interesse do espectador, que espera para ver qual será o próximo absurdo desse roubo atrapalhado e incoerente. Só por isso, a produção não é péssima.
Muita gente espera com ansiedade pela segunda temporada de "La Casa de Papel" e, confesso, eu estou entre elas. Estou interessado em ver como termina essa série que caiu na própria armadilha da ideia central, mesmo considerando-a seu grande trunfo. É verdade que foi difícil terminar os primeiros episódios, mas quero saber até onde pode ir essa paciência com um roteiro tão absurdo.

LA CASA DE PAPEL (primeira parte da temporada)

ONDE: Netflix (todos os episódios disponíveis)

COTAÇÃO: ★ (ruim)

Comentários

  1. Opinião sua.... Um amontoado de palavras do passado... a série acabou provando que é muito maior do que uma mera opinião.

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